Dotados de órgãos sensoriais comuns, imersos em ambientes culturais e capazes de agir de acordo com seus próprios julgamentos, os seres humanos podem perceber e representar suas experiências espaciais sejam essas vividas ou imaginadas. Compreender o modo como as pessoas percebem e representam suas realidades, aspirações e medos pode ser útil para tornar os espaços cotidianos mais agradáveis, melhores, enfim, mais humanizados.
Buscando abordar a questão acima, desenvolve-se a partir da década de 1960 nos países da América Anglo-saxônica e alguns europeus a chamada Geografia Humanista com aporte antropológico, histórico, filosófico e psicológico. No entanto, fundamenta-se essa vertente geográfica na Fenomenologia, cujo objetivo é descrever como as coisas e os objetos se apresentam à consciência humana (essências eidéticas).
Nota-se nisso, um caráter antropocêntrico, no qual o ser humano recebe importância para a conformação do mundo (MALANSKI, 2014).
Para Tuan (1980) um ser humano é um organismo biológico, um ser social e um indivíduo único que forma uma realidade complexa com diferentes manifestações, como o corpo, o conhecimento, a vontade, a linguagem, a sociabilidade, a cultura, o trabalho, o jogo e a religião.
PERCEPÇÃO ESPACIAL
Simultaneamente através dos cinco sentidos e da mente as pessoas percebem o espaço a sua volta e interagem com ele tornando-se conscientes do mesmo. Assim, a percepção se desenvolve como resposta desses sentidos aos estímulos espaciais e fornece à pessoa conhecimentos imediatos a respeito do que a cerca (TUAN, 1980). Para que o algo percebido tome significado ou conceito é preciso a reincidência de experiências (LIMA, 2007). A partir desta reflexão, pode-se afirmar que é através da percepção que se constrói o conhecimento do espaço adjacente e organiza outro, individualizado.
Por possuírem órgãos sensitivos similares, os seres humanos compartilham percepções comuns. Assim, como membros da mesma espécie, estão limitados a perceber as coisas de uma determinada maneira. Contudo, sabe-se que a forma como o espaço é percebido varia entre pessoas, culturas e condições sociais (Tuan, 1980). O autor afirma então, que “A cultura e o meio ambiente determinam em grande parte quais sentidos são privilegiados” (Tuan, 1980, p. 284). Entende-se por cultura como a soma dos comportamentos, dos objetos, dos saberes, das técnicas, dos conhecimentos e dos valores acumulados por um grupo socialmente organizado (CLAVAL, 2001). Na atualidade, aproximadamente 90% das percepções humanas são adquiridas visualmente e grande parte das restantes se adquire através do tato e do ouvido (Gaspar, 2001).
A exploração do espaço se inicia com o nascimento, sendo que através das experiências corporais (ação) a criança constrói sua noção espacial. A conscientização do espaço pelo próprio corpo ocorre através de esquemas corporais e a lateralização. Estes, em conjunto, reúnem as funções motoras, a percepção do espaço imediato e a consciência de seu domínio lateral (direita e esquerda). Gradativamente a pessoa toma consciência de seu corpo e então passa a projetar para os objetos e outras pessoas o que comprovou em si mesma. Através da ação em seu espaço vivido e da reflexão sobre ele a pessoa chega à abstração reflexiva ou a concepção do espaço e sua organização (Almeida;Passini, 1989).
Merleau-Ponty (1999) indica que não existe objeto (espaço) sem sujeito (pessoa) e toda experiência espacial se dá a partir de um referencial, uma vez que este é uma tentativa das pessoas de compreenderem os espaços que as cercam. Da relação entre pessoas e espaços emergem conceitos e sentimentos como lugar, paisagem, topofolia (sentimento de afeição para com um espaço) e apinhamento (sentimento de falta de espaço diante a existência de outras pessoas). O termo lugar é cotidianamente utilizado como sinônimo de espaço ou ambiente, mas de acordo com a Geografia Humanista se caracteriza como um espaço dotado de significado.Já a paisagem se configura como uma fração do espaço percebida pelos sentidos humanos.
REPRESENTAÇÃO ESPACIAL
Dotados de informações perceptivas, sensações e imaginações, as pessoas são capazes de representar a partir de imagens mentais o espaço percebido ou imaginado. Tal conceito de imagem mental remonta aos estudos de Lynch e sua obra "A imagem da cidade" (1960). Assim, a representação é responsável por dar significado ao algo percebido, representando fenômenos naturais e sociais, para a compreensão de acontecimentos ditos sobrenaturais e, principalmente, para perpetuar a consciência humana de mundo.
A interposição entre o que é representado e o receptor, a quem se dirige a representação, é feita através de signos. Este é o que enuncia algo a alguém, uma unidade portadora de sentido constituída pelo significante (forma) e o significado (conteúdo). Os signos podem ser além de ícones, sons, músicas, palavras, gestos, objetos, rituais, elementos naturais entre outros que permeiam os lugares, contudo, seu caráter prescinde de uma forma de linguagem para ser comunicado. De acordo com Bakhtin (2002), a natureza do signo é ideológica, pois possui significado e remete a algo situado fora de si, exigindo que seja contextualizado para que ganhe significado em um grupo socialmente organizado.
A principal e mais comum forma de representação espacial acontece por meio dos mapas mentais, assunto abordado no texto “Cartografia pessoal: os mapas mentais” (http://parquedaciencia.blogspot.com.br/2013/10/cartografia-pessoal-os-mapas-mentais.html).
PARA CONCLUIR
A conformação do mundo para uma pessoa ocorre por meio da percepção espacial, a qual é responsável por captar os estímulos espaciais e submete-los à consciência. Somam-se a isso as experiências vividas e a imaginação para que se possa formar, então, uma imagem mental. Tal imagem é passível de representação, tornando significativo o algo percebido. Os mapas mentais se configuram como um conjunto de signos referentes ao espaço que para serem compreendidos precisam ser contextualizados.Compreender como ocorrem os processos de percepção e representação espacial pode ser um recurso interessante para práticas de educação ambiental e a melhoria da qualidade de vida em diferentes escalas.
Para saber mais
O que é lugar?
http://parquedaciencia.blogspot.com.br/2013/09/o-que-e-lugar.html
REFERÊNCIAS
ALMEIDA, R. D. de; PASSINI, E. Y. O espaço geográfico: ensino e representação. São Paulo, Ed. Contexto, 1989.
BAKHTIN, M. (Volochínov, V.). Marxismo e filosofia da linguagem. São Paulo, Ed.Hucitec, 2002.
CLAVAL, P.A geografia cultural. Florianópolis, Ed. da UFSC, 2001.
GASPAR, J. O retorno da paisagem à geografia: apontamentos místicos. Finisterra (72), 83-99, 2001.
LIMA, E. L., de.Do corpo ao espaço: contribuições da obra de Maurice Merleau-Ponty à análise geográfica. Geographia (18) 65-84, 2007.
LYNCH, K. A imagem da cidade. Lisboa, Ed. Edições 70, 1960.
MALANSKI, L. M. Geografia humanista:percepção e representação espacial.Revista Geográfica de América Central (52), 2014.
MERLEAU-PONTY, M. Fenomenologia da percepção. São Paulo, Ed. Martins Fontes, 1999.
TUAN, Y. Topofilia: um estudo da percepção, atitudes e valores do meio ambiente. São Paulo, Ed.Difel, 1980.
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