A Florença de Maquiavel

Figura 01: Paisagem da cidade de Florença, Itália.
Fonte: Wikimedia Commons

UM REPUBLICANO E SEU PRÍNCIPE

Florença é uma cidade da atual Itália que, no tempo do Renascimento, constituía um dos principais centros de poder regional e competia com o Reino de Nápoles (controlado pelos aragoneses), os Estados Pontifícios, o Ducado de Milão e a República de Veneza. Havia outros estados menores, mas estes não possuíam poder ou influência suficientes e, para sua própria sobrevivência, acabavam muitas vezes obrigados a se alinhar aos movimentos dos vizinhos mais poderosos.

O Estado Florentino vinha sendo uma república oligárquica desde 1328, com um sistema eleitoral bastante complexo e uma rotatividade rápida de cargos, para garantir que ninguém pudesse se utilizar dos mecanismos legais para ampliar seu poder pessoal. Apesar dessas medidas, em 1433, Cosme de Médici começou a reunir apoio, especialmente através de partidários instalados em postos chave da administração e, gradativamente, assegurou-se do controle do poder político. Cosme efetivamente esvaziou as instituições republicanas, conseguindo estabelecer uma monarquia disfarçada sem que suas manobras pudessem ser consideradas ilegais.

Figura 02: Retrato de Niccolò di Bernardo dei Machiavelli.
Por Santi di Tito.
Fonte: Wikimedia Commons
Neste momento crítico, coincidindo com a passagem do poder para Lourenço, o Magnífico, neto de Cosme, nasceu Nicolau Maquiavel (1469-1527), filho de um advogado pertencente a um ramo mais pobre da nobreza toscana. Com o tempo as tensões aumentaram e os Médici foram expulsos da cidade de Florença, em decorrência da invasão da Itália, em 1494, pelo rei de França – Carlos VIII.

O jovem Maquiavel iniciaria sua carreira em cargos sem muita importância, mas por volta de 1498 ele se tornaria o Segundo Chanceler da República, responsável pelos negócios e as relações externas; com a comissão no Conselho dos Dez da Guerra, enfrentaria as dificuldades decorrentes da fragilidade econômica, política e militar de Florença perante os vizinhos. O pensador político logo aprendeu que não é possível confiar em vizinhos poderosos demais, e também percebeu que a única verdadeira defesa com a qual a soberania de um Estado pode contar se faz através da organização de uma milícia nacional, imbuída da lealdade que homens de armas mercenários não abraçam.

Durante o período de governo republicano relativamente estável que se estabelece entre 1502 e 1512, o governante Piero Soderini evita ser dominado pelos interesses da oligarquia, mas isso estimula o surgimento de uma oposição fundada em elementos pró-Medici, apoiados pela habilidade diplomática de um cardeal: João de Medici que, em março de 1513, se tornaria o papa Leão X. Soma-se a essa divisão interna a intervenção dos espanhóis, que expulsam os franceses da região do Milanês e reconduzem os Medici à Florença...

Nicolau Maquiavel se vê afastado de seu cargo e, de diversas maneiras, tenta convencer os novos governantes de sua utilidade como conselheiro e, principalmente, da seriedade das ideias que defende. Uma dessas tentativas se materializa na forma da obra O Príncipe, que oferece uma confrontação das experiências passadas e observações presentes e, através delas, dedica a Lourenço de Médici uma espécie de manual do jogo da política.

Por muito tempo, esta obra condenou ao repúdio o pensador e historiador florentino, visto como um proponente do oportunismo e da crueldade por parte daqueles que lidam com o poder; hoje, no entanto, pode-se entender que o conjunto completo de obras do autor revela suas reais motivações: de um lado, a corrupção das instituições e as disputas internas chegaram a tal ponto que somente um principado com poderes absolutos seria capaz de estabilizar Florença; por outro lado, após quatorze anos de vida política ativa, Nicolau Maquiavel não vislumbra outra carreira senão esta, da qual se via afastado já há um ano, após a queda de Soderini e o retorno dos Medici (LARIVAILLE, op. Cit. 152).

Maquiavel, demonstrando brilhante talento de observação, extrai um conhecimento prático das ações humanas e, se assim se pode dizer, da “natureza humana”: se os homens estão naturalmente inclinados ao egoísmo e ao individualismo, somente uma grande habilidade, uma “capacidade e esforço de adaptação” às flutuações da sorte, podem garantir o sucesso de um estadista, especialmente o de um príncipe recém-chegado ao poder (LARIVAILLE, op. Cit. 148).

Apesar de seus vários esforços, o intelectual não consegue retornar às funções políticas de outrora. Sua última esperança se esvai quando o imperador do Sacro Império Romano-Germânico, Carlos V (1500-1558), invade a Itália – mantendo-o no esquecimento.

A própria Itália permaneceria fragmentada e espoliada e iria tomar a forma de Estado nacional – que hoje conhecemos – somente no século XIX, muito depois do tempo de Maquiavel, que não resiste à doença e aos reveses da sua própria sorte...

Por Tiago Henrique da Luz


PARA SABER MAIS...

Entrevista com Professor de Filosofia Mário Sérgio Cortella
http://www.youtube.com/watch?v=8Okbq8W4o7M


REFERÊNCIAS:

LARIVAILLE, Paul. A Itália no tempo de Maquiavel: Florença e Roma. São Paulo: Companhia das Letras, 1988.

MAQUIAVEL, Nicolau. O príncipe: escritos políticos. São Paulo: Nova Cultural, 1996.

KRITSCH, Raquel. Maquiavel e a construção da política. Lua Nova, São Paulo, n. 53, 2001.
Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-64452001000200009&lng=en&nrm=iso>. Acesso em Agosto de 2014

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