Simetria: a busca e a ilusão!

Por Eduardo Cordeiro Uhlmann


Em 2010, o físico Marcelo Gleiser lançou o livro “Criação Imperfeita” em que argumenta que existe uma ligação  profunda  entre  o  monoteísmo  e  a  busca  científica  pela  unidade;  e que a intuição de muitos cientistas de que a simetria perfeita jaz no âmago das leis da natureza pode ser apenas o desejo oculto de que uma ideia arraigada em nossa cultura venha à tona através das teorias científicas.

Segundo Gleiser, apesar de pouco conhecermos sobre os filósofos pré-socráticos, textos escritos séculos depois deles (principalmente textos de Aristóteles e de Diógenes Laerte) atribuem a Tales de Mileto “o primeiro pronunciamento científico sobre o mundo:'Tudo é feito de uma única substância'”. Isso teria feito a filosofia natural grega nascer com a noção da unidade de todas as coisas.

Tales cogitou que a substância elementar seria a água, para Anaxímenes (seu seguidor) essa substância era o ar, Empédocles pensou numa combinação dos elementos ar, água terra e fogo. Para os primeiros filósofos – conhecidos como iônicos – existia “uma unidade material por trás da diversidade das coisas”. Essa busca pela unidade na ciência foi batizado de “encantamento iônico” pelo historiador da ciência Gerald Holton. 

Para Gleiser, esse encantamento continua presente até os dias de hoje, orientando inúmeras teorias científica. A “falácia iônica” (termo cunhado por Isaiah Berlin) não é refutável, podendo sempre ser “jogada” para fora do alcance das experiências científicas.

Décadas após Tales de Mileto, Pitágoras “combinou uma forma de misticismo matemático com a noção iônica de unidade”. É de Pitágoras “a noção de que o mundo natural pode ser descrito através de relações matemáticas que traduzem, de forma racional, a sua perfeição e simetria”. Platão, fortemente influenciado por Pitágoras, disse que o mundo que percebemos é ilusório e que somente através da razão podemos chegar à verdadeira essência da realidade; assim, todos os círculos que vemos no nosso cotidiano são aproximações imperfeitas do círculo real, o círculo que existe no mundo das ideias e que pode, em toda a sua simetria e perfeição, ser descrito matematicamente.

Marcelo Gleiser diz que o misticismo matemático dos pitagóricos somado ao idealismo platônico leva a conclusão de que “os segredos mais profundos do mundo à nossa volta ocultam-se nas relações matemáticas entre as formas geométricas e os números (…) o código oculto da Natureza é escrito na linguagem das formas perfeitas”. E “a senha para entrar nesse mundo é 'simetria'”.

Ele diz que é muito difícil para um cientista abandonar a simetria nos seu estudos por dois motivos principais: o primeiro “é que a simetria é uma ferramenta extremamente poderosa para descrever a Natureza”, existem vários fenômenos na natureza cuja simetria é fator preponderante na explicação de suas propriedades, além do fato de que “sistemas que exibem simetrias são muito mais fáceis de serem analisados matematicamente” e de que inúmeros são os casos em que simetrias impostas a priori a um sistema físico permitiram previsões confirmadas em experimentos;  o outro motivo é a beleza da simetria, ou a simetria da beleza, esta característica que não é fácil de ser definida nem dentro nem fora do âmbito da ciência mas que é perseguida arduamente. Glaiser diz que “em geral, uma teoria considerada bela combina simplicidade e poder explanatório”. Para Weinberg, a beleza de uma teoria está associada ao senso de que não lhe é possível mudar uma única linha.

Marcelo salienta que seu livro não é um manifesto contra a simetria, mas que a simetria não pode ser “exagerada e entronizada como um dogma”, em suas palavras: “A simetria é bela mas, discordando do poeta John Keats, a beleza não é sinônimo de verdade. Ademais, sr. Keats, a verdade também não é necessariamente bela.”

A partir daí, o autor discorre sobre uma série de eventos em que a própria assimetria é fundamental. Desde assimetrias em propriedades subatômicas que poderiam ter levado à assimetria entre matéria e anti-matéria e possibilitado um universo como o que observamos; até os sistemas que funcionam afastados do equilíbrio e que criam suas estruturas dissipando energia; passando pela assimetria de compostos orgânicos (aminoácidos de proteínas são levógiros enquanto que os açúcares que pertencem ao DNA e ao RNA são destrógiros).

As consequências de retirarmos a simetria de seu pedestal pode ser o enfraquecimento da busca pela teoria do tudo, a teoria científica que de forma simples e supersimétrica explicaria todo o universo, e a ampliação da conscientização de que o nosso conhecimento acerca da Natureza é fundamentalmente limitado ainda que possa ser indefinidamente aprimorado.

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