Entendendo as novas formas de arte de rua - Parte II

Fonte: Canal Plástico Urbano. Flickr.

Segunda parte da resenha do texto: APOLLONI, Rodrigo Wolff. “O Koan no Muro”: Configuração, Observação e Troca de Registro Psíquico nas Artes Gráficas e Plásticas de Rua Baseadas no Papel. Curitiba, 2011. (p 1-86)


No século XIX temos a figura do austríaco Joseph Kyselak (1799 – 1831), que durante suas viagens pelo Império Austro-Húngaro (cerca de 1825, ou seja aos 26 anos de idade) começou a escrever seu nome ―I. KYSELAK – por onde passava - figura 1.

Figura 1: O austríaco Joseph Kyselak (1799 – 1831), escrevia seu por onde passava.Fonte: Obviusmagazine.

Para o autor. a semelhança entre que trabalhos de grafiteiros e pichadores e os de Kyselak são os padrões psíquicos e produtivos. Ele explica que com Kyselak - assim como os artistas de rua na atualidade, ao nome se compõe, além do princípio subjacente da Potência maffesoliana, a expansão simbólica do “artista” e a liberdade de expressão própria alcançadas por algumas obras. Todos esses personagens são movidos por um violento impulso de objetivação (Potência), “pela fé associada ao nome, pela ânsia de replicação de seus trabalhos, pela preferência por lugares ― ousados ou ― difíceis e pelo uso de tipologia gráfica peculiar.” (IDEM. p.47)

Como desdobramento, Apolloni indica outro conceito chamado de meta-autoralidade, que é a autonomia de uma obra, podendo ela ser objeto de interesse de outras pessoas que as replicam. No caso de Kyselak, a disseminação da grafia de seu nome durou dois séculos e denuncia a co-participação que assumiu uma objetivação compartilhada, se disseminando e adquirindo vida própria, formando... “ um conjunto estético que reflete uma verdade de socialidade, proxemia e neotribalismo”... (IDEM. p.49)

Incluindo os registros de Brassai, Apolloni explica que, devido à ancestralidade que acompanha a representação/apreensão do mundo, grafada em seu entorno, acontece uma re-conexão entre passado e presente humano em sua ligação vital. Assim, formas criadas no passado nos parecem vivas e próximas.

As ideias de Brassai ajudaram na mudança de percepção das obras de rua, ele tirando o estigma de uma sub - arte e a situou como parte integralizada do universo da arte. Além disso, ele... “enfatizou o papel do observador no processo de sua emergência” (IDEM. p.54. )

Nas considerações de Brassai sobre os grafites parisienses a Potência surge em diferentes graus de inter-relacionamento com o Poder. A Potência se revela no momento que características primitivas e arquetípicas de conexão são acessadas mostrando assim vitalidade. O Poder aparece a partir das questões sobre o status artístico das obas de rua, as quais se tornariam mais visíveis e representariam meios ... “para objetivações políticas, subjetivas e de socialidade.” (IDEM. p 56)

Apolloni denomina Grafite Metropolitano o ocorrido nos anos 60, considerando um  movimento de massas. Surgem neste período, manifestações de algumas áreas da sociedade, principalmente a dos estudantes, seja no contexto americano ou europeu e também a das minorias que passavam a lutar por direitos. Neste ponto o autor aponta duas características proeminentes: a centralidade no nome (Potência) e o chamamento político (Poder).

Em Nova Iorque, nos anos 70 e 80, as artes gráficas de rua se encaminharam para o nome e à produção de organizações divididas sócio-culturalmente. As obras dividiam opiniões, o movimento era odiado e amado ao mesmo tempo. Tanto mais era repreendido mais era idolatrado: pieces, throw-ups, productions e whole-cars foram explorados por artistas - figura 2.

Figura 2: EUA anos 70. Fonte: fonte: ufunk: mArt, Gadgets, Design and Amazing Stuff

Segundo Apolloni, a afirmação do nome é o elemento central do movimento mais associado à Potência portanto, direcionado a um... “estado puro e ao inconsciente” (IDEM. p.57): ...”Os nomes são detectados nos muros, no asfalto, nas trincheiras, nos monumentos, nas árvores e estações de trem, assim como nas porções internas e externas dos vagões do metrô. Surgem isolados ou em massa e, em alguns casos, revelam a transição das tags para algo mais próximo das pieces”(...). (IDEM. p58) 

Figura 3 : As tags Wicked Gary’s tag collection, 1970–72.
Fonte: New York observer culture.

Na Europa, o autor pontua os protestos de Maio de 68, os quais consideram um momento de contestação, estudantil e operária ao Poder e às suas estruturas - figura 4.

Figura 4 - Fonte: Blog Desconcertos.

De acordo com as observações de Cristina Fonseca, Apolloni explica a preocupação com o controle e dessacralização do suporte a partir das obras parisienses de 1968, devido em parte, pela tensão à proibição institucional de colagem de cartazes: “As pichações de Maio de 68 também podem ser consideradas uma „guerrilha‟ urbana contra o cerco de cartazes defense d‘afficher [proibido colar], característicos da „ordem estabelecida‟ e espalhada por toda Paris desde o século XVIII” (FONSECA 1981: 18).

Segundo Apolloni, cartazes de protesto colados nos prédios da Sorbonne e áreas vizinhas, são resultados do cartazismo clássico, desenvolvido pela política e pela publicidade, e pela articulação originada de protestos políticos. Este imbricamento seria responsável pelo “aparecimento dos lambes, cartazes produzidos no contexto da Paper Street Art. (APOLLONI, 2011. p 64.) - figura 8.

Figura 8. Fonte: Canal Plástico Urbano - Flickr.

De acordo com Apolloni, as atuais artes gráficas de rua são chamadas Grafite Transtribal ...possuem uma natureza “difusa, mais livre e próxima da Potência, capaz de produzir um universo semântico de características próprias. As obras que vemos nas ruas hoje são, fundamentalmente, produto de uma convergência contínua de valores e técnicas ao longo das últimas quatro décadas." 

Entre os valores relacionados, estão os do Grafitti Hip-Hop e as demandas do Maio de 68, assim como os elementos mais arcaicos, inconscientes e ligados ao que identificamos como Grafite Arqueológico. Seu princípio é a Potência, associada em diferentes configurações ao Poder. As obras atuais também são fortemente marcadas por influências do Design, das Artes Plásticas – em especial, da “Transvanguarda” dos anos 80 (BUENO 1999: 272-273) –, da cultura de massa e das muitas possibilidades produtivas decorrentes da popularização das tecnologias gráficas e de comunicação. ” (IDEM. p 68)

No tempo do Grafite Transtribal, o autor apresenta o ciclo acelerado de produção x difusão x extinção de concepções ligadas à cultura de massa e a popularização das tecnologias gráficas e de comunicação, estas expandem a criatividade e permitem a produção de objetivações que se querem autônomas, “como também produzem um ― universo espelho digital, capaz de compartilhar globalmente - e em tempo real, trabalhos produzidos em qualquer parede do planeta (...).”(IDEM. p.71) 

Neste ambiente, o autor conclui que são múltiplas as possibilidades de objetivação, surgindo, então, obras novas denominadas como Street Art (novos estênceis, os novos cartazes ou lambes, os adesivos, as formas híbridas e as obras tridimensionais [figura 10] “categoria que se coloca ao mesmo tempo ao lado das expressões do Grafite Metropolitano que seguem nas ruas e na vanguarda do Grafite Transtribal”. (IDEM. P 73) são obras novas que objetivam um élan neotribal (transtribal, por suas características globais) e eXtremo. [figura 10] intervenção tridimensional em Curitiba 

Figura  9 - Fonte: Canal Plástico Urbano - Flickr.

O seguinte conceito  de “cultura eXtrema”, Apolloni exemplifica através do entendimento do teórico Massimo Canevacci:

"Delimito o campo das culturas extremas juvenis àquelas que se movimentam desordenadamente nos espaços comunicacionais metropolitanos e escolhem inovar os códigos de forma conflitiva. Remover os significados estáticos. Produzir significados alterados. Livrar signos fluidos dos símbolos sólidos. É esse fluxo que, para diferenciá-lo de um emprego genérico de extremo (esporte-sexo-política-arte), denomino eXtremo. Culturas eXtremas são aquelas que, ao longo de sua autoprodução, se constroem de acordo com os módulos espaciais do interminável. As culturas eXtremas são intermináveis: eX-terminadas: no sentido de que conduzem a não ser terminadas, a sentir se como intermináveis, a recusar qualquer termo à sua construção-difusão processual. Culturas intermináveis enquanto recusam sentar-se entre as paredes da síntese e da identidade, que enquadram e tranqüilizam. Normalizam e sedentarizam." (CANEVACCI 2005: 47)

Para o autor, as novas formas encontram antecedentes remotos que são redirecionados para um fim pós institucional, interessa investigar como o cruzamento entre élan (Potência) e técnica, matéria-prima, tempo, planejamento e local de produção (manifestações associada à organização e ao Poder) é capaz de produzir objetivações neotribais e eXtremas.

Apolloni propõe um estatuto dessas obras novas e, destacando aspectos das artes gráficas de rua recentes que normalmente não são contemplados na cátedra. Surge, então, o termo paper street art, o qual abrange as novas formas de arte de rua.

O autor explana sobre o porquê desta denominação começando pelo paper. Ele indica a emergência no uso do papel às leis antispray e as possibilidades de variações a partir do papel,( observadas por Claudia Walde) e a ampliação semântica do significado do papel, para além de seus limites materiais, como símbolo de uma atividade.

A palavra “Street” se baseia na percepção dos elementos Potência e Poder explanados pelos teóricos utilizados. No sentido em que essas novas manifestações são mais autônomas, ou seja, tem um maior caráter de Potência, que a ideia contida nas manifestações vinculadas ao Graffiti que carrega em seu significado uma prevalência do conceito de poder.

Apolloni explica que a utilização do termo Art  foi baseado na dialética da cultura de Georg Simmel, segundo a qual:

...“a arte estaria associada, de fato, à sensibilidade e à capacidade de comunicação entre as subjetividades do criador e do receptor, que é acionada pela obra artística...Arte, enfim, como algo que se aproxima do conceito de “espírito” de Henri Bergson: uma manifestação capaz de fazer com que o sujeito extraia mais de si do que possui, com que devolva mais do que recebe e com que dê mais do que possui (BERGSON 2009: 31)”. (APOLLONI,2011.P 86)

Por Eloana Santos Chaves, Huellingnton Robert da Silva, João Marcos Alberton


REFERÊNCIAS:

APOLLONI, Rodrigo Wolff. “O Koan no Muro”: Configuração, Observação e Troca de Registro Psíquico nas Artes Gráficas e Plásticas de Rua Baseadas no Papel. Curitiba, 2011. (p 1-86).

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