Uma história do Design e da Arquitetura à época do funcionalismo - Parte I


Este texto apresenta o papel dos ativistas de uma arte moderna que ficou centrada no funcionalismo, de acordo com os pensamentos de Giulio Carlos Argan. Busca-se explicar a arte moderna de forma abrangente, incorporando elementos e sujeitos diversos que transformaram a arquitetura a partir do pós-primeira guerra e traz algumas das contribuições  que construíram historicamente o urbanismo, a arquitetura e o desenho industrial, as quais são articuladas no texto, fazendo refletir sobre o papel político, o lugar, as reverberações de concepções, as divergências e convergências que apareceram e as mudanças pelas quais os sujeitos passaram e de como as influenciaram. Uma questão operada no texto é a equidade com que os campos analisados são justapostos pois, em todos, a Arte é o elo principal e “a arte é justamente o modo de pensamento pelo qual a experiência do mundo realizada através dos sentidos assume um significado cognitivo, pelo qual o dado da percepção se apresenta instantaneamente como forma”. (ARGAN, 1992 p.272)

Houve um rápido e inesperado crescimento demográfico após a primeira guerra mundial. As cidades incharam e, concomitantemente, desenvolveu-se uma expansão da indústria em termos quantitativos e tecnológicos. Operaram-se transformações politicas que se processaram na classe operaria, passaram a se comprometer mais com a politica urbana e tomar consciência da possibilidade de conquista de poder. Artistas puderam desenvolver uma arte nova com conteúdos e formas se preocupando e ocupando-se do regime social urbano.

As pessoas passaram a necessitar e a exigir uma reorganização no espaço das cidades. As soluções deveriam dar conta da atividade urbana, reestruturando aspectos funcionais  - a construção ou produto é desenvolvido de acordo sua função; sociais -  no sentido de atender as exigências sociais; políticos - políticas públicas que combatam a exploração financeira e imobiliária; e tecnológicos -  agilidade nas construções.

Argan faz uma crítica contundente sobre a especulação e exploração imobiliária que acontece nos grandes centros urbanos desde então. Para ele, o arquiteto se insere na sociedade como um combatente deste nicho que explora a cidade, de forma “... especulativa indiscriminada, em detrimento do dever de utilizar funcionalmente o solo e o aparato urbano.” (ARGAN, 1992. p 264)

Os princípios da arquitetura moderna eram o planejamento, a racionalização do uso do solo e da construção, a preocupação com as formas arquitetônicas sob a égide da função, recursos tecnológicos (que insere o desenho industrial no circuito industrial) e, finalmente, a arquitetura como responsável pelo desenvolvimento progressista da sociedade. Existiam pensamentos retrógrados que divergiam de uma arquitetura moderna necessária ao desenvolvimento urbano. O fascismo e o nazismo não aceitavam a nova arquitetura, restringindo-a sob conceitos descontextualizados da ideia de clássico. Entretanto, existiram divergências e convergências de acordo com as situações tempo/espacial a que a arquitetura moderna está submetida. Argan descreve componentes que sustentam orientações e questões que se distinguem e que causaram segmentação da ideia de racionalismo, formando seis tipos principais de racionalismo: formal, metodológico-didático, ideológico, formalista, empírico e orgânico.

Na França, o artista e pensador Le Corbusier lidera o racionalismo formal. Dentre suas realizações, Argan destaca que Corbusier tirou a questão do urbanismo e da arquitetura da dimensão técnica e o trouxe para a dimensão cultural, transformando-a num problema cultural do século XX. Sob o pensamento progressista, Le Corbusier busca aliar o pensamento industrial à condição da arquitetura urbana adequada a natureza e ao homem histórico (deste pensamento resulta a coesão forma e função). A arquitetura e a produção industrial devem atender a função da construção do produto aliada a sua forma correta (desenvolveu um método para encontrar a formula correta). Sua ideia central vem do cubismo, o qual tem como premissa a constituição do espaço num contínuo e cujos componentes se relacionam e se inter-relacionam entre si. Nesta concepção, as relações de proporções levam em conta o homem como a medida de todas as coisas (formula pitagórica) e a natureza originaria. Entre as construções de Le Corbusier temos como exemplo a ideia de movimento por vias internas e de circulação térrea nas casas, cultivo de jardins nas sacadas e edifícios como peça de quebra-cabeças.

Fig 1 Unidade Habitacional, Firminy, França, 1960.Fonte: Fundação Corbusier

Na Alemanha nasce um racionalismo metodológico-didático, que possui centro na escola Bauhaus sob a direção de Gropius. A cena no fim da primeira guerra mundial na Alemanha era de catástrofe. Militares e capitalistas versus operariado. Surge, neste âmbito, intelectuais que “reivindicam e realizam uma rigorosa autocritica da sociedade e também da cultura alemã...” (ARGAN, 1992.p. 269). Emerge a premência de um racionalismo crítico  que permita um diálogo aberto e transparente entre os personagens na Alemanha pós guerra, resolvendo as questões por meio da lógica. Politicamente engajado na politica social democrata, Gropius institui um programa cujo método didatiza a ideia da importância do ensino para a sociedade “... a finalidade imediata é a de recompor entre arte e indústria produtiva, o vinculo que unia a arte ao artesanato” (ARGAN, 192. p 269).



Fig.2 Walter Gropius e Adolf Meyer (arquitetos)
Hans Wagner (Fotografia), Fagus-Werk Factory, ca. 1911
Arquivo Bauhaus/ Museu do Design, Berlin. Fonte: Bauhaus online
Argan explica a lógica do racionalismo alemão de acordo com o pensamento de Gropius da seguinte maneira: a sociedade constrói a cidade e a cidade constrói a sociedade. Exemplificando, a educação ensina a fazer a cidade (urbanismo) e, fazendo as cidades, se gera a civilidade, a qual nada mais é do que uma racionalidade. Isto seria uma maneira progressista onde a educação é o objeto central instrumentalizada pela escola, assim, a esta é o lugar onde a ideia de uma sociedade democrática prolifera.

Surge neste espaço de tempo a ideia do desenho industrial como plano urbanístico, isto é, um mesmo método de construção ( projeto) determina a forma racional das coisas e as molda. Outra insurgência no principio de ensino da Bauhaus foi o entendimento da cidade como um sistema de comunicação, e que seu circuito intersubjetivo indica uma sociedade democrática. Elementos como padronização; geometrização; serialização; produção de signos e seus significados; método que alcança a dinâmica na produção, isto é, forma captada na sua formação; são objetos de interesse e estudo na Bauhaus. Outra concepção adotada por Gropius é de que o espaço e a ação humana de determinado grupo social (sujeitos que estão dispostos à uma mesma experiência) devem se relacionar naturalmente.

Destaca-se Mies Van der Rohe como um arquiteto que também foi fundamental ao racionalismo alemão. Ao assumir a escola Bauhaus, ele da início a primeira das crises pelas quais as concepções educacionais da Bauhaus passariam antes do seu fechamento pelo nazismo. Rohe põe em prática suas ideias que Argan chama de um racionalismo idealista: não há interesse pelos problemas de ordem social; a obra não se relaciona, ela é absoluta; o espaço se reduz a um início e ao fim infinito, seria pois. uma dicotomia da forma real e o abstrato. Mies projeta e constrói arranha céus.

Fig. 3 Ludwig Mies van der Rohe (arquiteto) / Pavilhão Barcelona, 1929.
Fundação Bauhaus Dessau. Fonte: Wikimedia.

Outra grande crise foi a transformação das concepções do ensino, como demonstra Argan quando revela que quando ao chegar nos Estados Unidos, Gropius se dedica as aulas, mas sem o cunho social. Sua preocupação está na formação de profissionais eficientes, grandes especialistas a serviço dos capitalistas e do exercício imobiliário. Sua metodologia se restringe à técnica a serviço da industrialização das construções. Breuer, um dos expoentes da escola Bauhaus, ao se fixar nos EUA, se despreocupa com a ideia social democrata do valor estético arraigado no projeto, seja ele urbano ou da  indústria produzido para todos os públicos, detendo-se e ocupando-se da experiência estética difusa em objetos e construções que se processam de maneira artesanal e corresponde a uma minoria privilegiada.



Outro aspecto da crise do racionalismo tem K. Wachsmann como principal personagem, o qual se dedicou a buscar teorias que determinariam um racionalismo total “... a possibilidade de tecer e articular o espaço  em cada momento seu, destruindo não apenas figurativamente, a materialidade do edifício” (ARGAN, 1992. p.282). Não existe mais intenção, o que se pretende é articular os componentes industrializados (infinitas possibilidades) à produção construtiva. A racionalidade se decompõe em uma invenção, o que a leva para dimensão metafisica onde o paradoxo da racionalidade irracionalidade se instala.

Argan nos traz a colaboração de Buckminster Fuller: a crise do racionalismo com a utopia (nas palavras de Argan) de que a construção transforma o ambiente onde se insere tornando-a parte deste e não mais um objeto estranho, isolado ou apenas combinado ao ambiente.


Por Eloana Santos Chaves, Huellington Robert da Silva, João Marcos Alberton


REFERÊNCIAS:


ARGAN, Giulio Carlo. A época do funcionalismo. In: Arte moderna: do iluminismo aos movimentos contemporâneos. São Paulo: Cia das Letras, 1992, (p.263-300).

DENIS, Rafael Cardoso. Uma introdução à história do design. São Paulo: Blucher, 2008, capit. 4 e 5 (p.75 até a pág.135)

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