Breve relato dos desafios no Ensino da Arte ao longo da História do Brasil até o século XX

Homem se esculpindo - sef made man. Crédito Jonathan Thorne
A arte é uma forma de comunicação que no desenrolar da história veio trazendo contribuições significativas, até para o registro de acontecimentos históricos na humanidade. Ruskin, crítico inglês, citado por PROENÇA (2001) salienta a importância da arte, pois, a arte retrata as histórias das civilizações com mais fidelidade. 

FERRAZ e FUSARI (1993, p.16) comentam qual é a sua relevância e apontam porque o ensino da Arte faz parte no processo educativo dentro da escola: (...) “é a importância devida à função indispensável que a arte ocupa na vida das pessoas e na sociedade desde os primórdios da civilização, o que a torna um dos fatores essenciais de humanização”. (p. 16)

No Brasil, durante o período colonial, os jesuítas (séc. XVI ao XVIII), além da educação tradicional religiosa, prestavam serviço pedagógico da Arte. Com a reforma do governo português de Marquês de Pombal, o qual expulsou os jesuítas do território brasileiro, o ensino artístico (desenho) ficou associado à matemática e à harmonia na música com o objetivo de priorizar a razão, isso no inicio do séc. XIX.

Em 1808, a Missão Francesa, que era um grupo de artistas europeus de renome com estilos e conceitos acadêmicos veio para atender em termos materiais e culturais a corte portuguesa e a família real. Este grupo de artistas ficou incumbido em criar uma escola de arte, chamada de Academia Imperial de Belas-Artes no Rio de Janeiro (1816), destinada a ensinar alunos que poderiam aprender as artes e ofícios artísticos. Até porque o Brasil era um país novo e necessitava de profissionais que suprissem tal demanda, visando a preparação para o trabalho (operários), originado no século XIX, durante o Brasil Imperial, e presente no século XX. 

Ainda no século XIX (1808) houve nos estabelecimentos públicos um processo de dicotomização do ensino de Arte: Belas Artes e música para a formação estética e o de artes manuais e industriais. 

No início do século XX o ensino de Arte, no caso o desenho, tem como foco a preparação técnica para o trabalho, formando o aluno para a vida profissional e para atividades que se desenvolviam tanto em fábricas quanto em serviços artesanais. Tal metodologia caracterizou o pensamento pedagógico tradicional de arte que entra em conflito com a arte colonial e suas características neste período.

Segundo FERRAZ e FUSARI (1993, p. 30 e 31), nesse instante o ensino de Arte concentra-se apenas na transmissão de conteúdos reprodutivistas, desvinculando-se da realidade social e das diferenças sociais, com o conhecimento centrado no professor.

Surge então em meados do século XX, a “Pedagogia Nova” que ao contrário da “Pedagogia Tradicional”, com o pensamento de desenvolvimento de um país em âmbito econômico e industrial e que, em muitas vezes não correspondia ao universo cultural dos alunos, esta “Pedagogia Nova” enfatizava a expressão do aluno. A educação deveria ajudar a resolver os problemas apresentados pela experiência concreta da vida, que passa dos aspectos intelectuais para os afetivos, fundamentada na Psicologia e na Biologia. O Brasil segue modelos já existentes propostos por teóricos como John Dewey, Viktor Lowenfeld e Herbert Read. Esta intenção de metodologia tinha a preocupação de liberar a criança através do desenho, da pintura.

Surge posteriormente a pedagogia Tecnicista que teve origem a partir da segunda metade do século XX no mundo e, a partir de 1960/1970 no Brasil. Cria-se uma Lei Federal 5.692 ⁄ 71 nas Diretrizes e Bases da Educação a partir de um acordo (MEC-Usaid) com base no produto ideológico de educadores norte-americanos, o qual reformulou a educação brasileira. BARBOSA (2009) salienta que não foi uma conquista de arte⁄educadores brasileiros:

Essa lei estabeleceu uma educação tecnologicamente orientada que começou a profissionalizar crianças na sétima série, sendo a escola secundária completamente profissionalizante. Essa foi uma maneira de proporcionar mão- de-obra barata para companhias multinacionais que adquiriram grande poder econômico no país sob o regime da ditadura militar (1964 a 1983). BARBOSA (2009, p.9)

E é durante estes períodos que de forma mais expressiva tenta-se aplicar novas práticas pedagógicas de como ensinar Arte, fruto de Leis e Diretrizes Curriculares, algumas vezes visando uma metodologia sistemática, com um país em plena expansão industrial e necessitando de mão de obra qualificada, a escola iria formar aluno para ser este operário e o professor era visto como técnico. Segundo Osisnki (1998, p.159):

No que concerne à educação brasileira em geral, os anos de 60 e 70 foram marcados por uma tendência tecnicista, coincidindo com a vigência do regime militar em vigor até meados da década de 80. Adotando uma política desenvolvimentista, a educação passou a se preocupar com a preparação de profissionais que pudessem dar conta das exigências do mundo tecnológico que se vislumbrava. O professor passou a ser encarado, ele mesmo, como um técnico, do qual era esperado o cumprimento de metas e objetivos previamente determinados.

Osisnki continua: 

Rui Barbosa pretendia implantar no Brasil o modelo americano de ensino da Arte, que se propunha educar para a vida prática, não vendo nas atividades artísticas mera finalidade contemplativa. Nesse sentido, o desenho teria o principal objetivo a capacitação para o trabalho, possibilitando o fornecimento de mão de obra qualificada para a indústria. (OSISNKI, 1998, p.125)

Já o Regime Militar tentou, forçosamente, abafar de forma autoritarista os movimentos que na década de 60 estavam se intensificando nas linguagens das artes plásticas. Segundo o PCN (2008, p.43): 

A partir da década de 1960, as produções e movimentos artísticos se intensificaram: nas artes plásticas, (...); na musica, (...); no teatro, (...); no cinema, (...). Esses movimentos tiveram forte caráter ideológico, propunham uma nova realidade social e, gradativamente, deixaram de acontecer com o endurecimento do regime militar. 
Com a proclamação da Republica, em 1890, ocorreu a primeira reforma educacional no Brasil republicano. Tal reforma foi marcada pelos conflitos de idéias positivistas e liberais. Os positivistas defendiam a necessidade do ensino de Arte para valorizar o desenho geométrico como forma de desenvolver a mente para o pensamento científico. Os liberais preocupados com o desenvolvimento econômico e industrial defendiam a necessidade de um ensino voltado para preparação do trabalhador. (PARANÁ, 2008, p. 39 e 40).
Estas leis ajudaram a sustentar de forma legal a prática, por considerar que houve um entendimento em relação à Arte na formação dos indivíduos. Entretanto, foram estas mesmas leis que deram margens para más interpretações e, em outros casos, usam o subterfúgio da interdisciplinaridade para suprimir da arte e passar a autonomia de alguns conteúdos para outras disciplinas. Para BARBOSA, (2009, p.1):

Em 1986, o Conselho Federal de Educação condenou a arte ao seu fim nas escolas. Reformulando o núcleo comum para os currículos das escolas de 1º e 2º graus, determinando como matérias básicas, português, estudos sociais, ciências e matemática. Eliminaram a área de comunicação e expressão. (...) Que contradição! Arte não é básico na educação mas é exigida”. No mesmo ano, houve um encontro de Secretários de Educação no Rio Grande do Sul e, o Secretario de Educação de Rondônia propôs a extinção da educação artística do currículo, o que foi aprovado pela maioria dos secretários presentes. 
Com os reflexos das décadas anteriores, havia agora as aulas de Arte porém, não existiam professores qualificados para estas novas propostas. Para tentar resolver este problema, na década de 70 criaram-se os cursos de Licenciatura Curta, com duração de 2 anos e conteúdos polivalentes.

Os conhecidos Cursos de Educação Artística, que surgem na década de 1970, foram conseqüência da primeira obrigatoriedade institucional de ensino de Arte na escola Brasileira. A Lei 5692∕71 incluiu a atividade de Educação Artística no currículo escolar e só depois providenciou a criação das licenciaturas curtas e plenas polivalentes para suprir a necessidade implantada. (COUTINHO. 2003, p. 154) (grifo da autora)

E segundo OSISNKI (1998, p. 159):

A aplicação da Lei n.º 5692∕71, no que se refere a o ensino de arte, gerou uma contradição: para lecionar nas ultimas series do primeiro grau era exigida a licenciatura específica. Os únicos cursos de arte existentes, (...) eram os de bacharelados de Pintura, Escultura e eventualmente Gravura, assim como as Licenciaturas em Desenho, voltadas ao Desenho Geométrico e Técnico e que não possuíam a abrangência exigida pela Lei Federal.

Continua OSISNKI (1998, p. 161)

Instituiu-se, assim, no Brasil, a polivalência no ensino da arte. Isso se deu numa atmosfera de precariedade e insegurança, onde professores mal preparados eram solicitados a desenvolver em sala de aula conteúdos os quais, por não serem de seu domínio, acabavam sendo abordados com superficialidade e de maneira estereotipada. Essa situação fez com que, talvez como uma espécie de defesa, a ideia de arte como algo que vem de dentro, como nonsense, recebesse um grande reforço. (grifo da autora)

Tais apontamentos repercutem diretamente no educando pois, uma formação deficitária de professores para suprir uma lei que estava em vigor e que necessitaria de docentes o mais imediatamente possível gerou uma herança cultural e pré-conceitos sobre o ensino da Arte em nosso país.

Já os PCN’s para o Ensino Médio abordam outra questão:

Nas escolas de Ensino Médio o Brasil, ao longo do século XX, nem sempre a Arte tornou-se conhecida pelos alunos com maior envergadura e dinâmica sócio-culturais como se apresenta na vida humana. (...) Observando a nossa história de ensino aprendizagem de Arte na Escola Média, nota-se um certo descaso de muitos educadores e organizadores escolares, principalmente no que ser refere à compreensão da Arte como um conhecimento humano sensível-cognitivo, voltado para um fazer e apreciar artísticos e estéticos e para uma reflexão sobre sua história e contextos na sociedade humana. (p. 90)

A definição grega da palavra “estética” que é encontrada nos PCN’s – Ensino Médio é “sentir”, palavra que é defendida na linha ideológica do ensino da Arte no contexto de suas diretrizes e leis. Mas, sendo assim, antes de vislumbrar o discente como um aluno-operário ou aluno voltado a ser um consumidor, deve-se observar que o aluno é um Ser humano, com seus sentimentos e emoções que devem ser exteriorizadas através da arte em suas diversas ramificações.

Por Huellington Robert Vargas da Silva


REFERÊNCIAS

BARBOSA, A. M. A Imagem no Ensino da Arte: anos 1980 e novos tempos. ed. São Paulo, Perspectiva, 2009.

BRASIL. Ministério da Educação e do Desporto. Parâmetros Curriculares Nacionais: terceiro e quarto ciclos do ensino fundamental. Secretária de Educação Fundamental. Brasília, 1998.

BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Média e Tecnologia. Parâmetros Curriculares Nacionais- Médio. Brasilia, 1999.

FERRAZ, Maria Heloísa Corrêa de Toledo. e FUSARI, Maria Felisminda de Resende. Metodologia do Ensino da Arte. São Paulo, Editora Cortez, 1993.

OSISNKI, D. R.B. Ensino da Arte: Os pioneiros e a influência estrangeira na Arte-Educação em Curitiba. Dissertação (Mestrado em Educação)- Setor de Educação da Universidade Federal do Paraná, 1998. 

PARANÁ. Secretaria de Estado da Educação. Diretrizes Curriculares da Educação Básica-Arte. Departamento de Educação Básica. Paraná, 2008. 

PORTELLA, A.; BARBOSA, A. A. T.B.; MAGALHÃES, A.D. T.V.; BARBOSA, A. M.; AZEVEDO, F. A. G. de; TOURINHO, I.; RICHTER, I. M.; PIMENTEL, L. G.; BELLO, L.; RIZZI, A. C. de S.; MARTINS, M. C.; MACHADO, R. S. B.; COUTINHO, R. G.; CALLEGARO, T. Inquietações e mudanças no Ensino da Arte. ed. São Paulo, Cortez, 2003.

PROENÇA, Graça. História da Arte. São Paulo, Editora Ática, 2001.

http://www.waymarking.com/gallery/image.aspx?f=1&guid=ab98981a-964b-47e3-9785-cda1b7a56db9

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