A GUERRA DO PENTE

Por Luiza Becerra

“Seu Talão Vale 1 Milhão”. 

Quem iria imaginar que a campanha para aumentar a arrecadação tributária do estado, promovida pelo governo federal no final da década de 50, seria motivo para um quebra-quebra que durariam três dias no centro de Curitiba?

Para participar desta campanha, o consumidor deveria reunir Cr$ 3 mil em notas fiscais, e trocá-las por um cupom que lhe daria o direito de concorrer a um prêmio de Cr$ 1 milhão. 

Na tarde do dia 8 de dezembro de 1959, visando o tão cobiçado prêmio, o subtenente da Polícia Militar, Antônio Tavares solicitou a nota fiscal na compra de um pente no Bazar Centenário, localizado na Praça Tiradentes. Porém teve o seu pedido negado pelo proprietário do estabelecimento, o comerciante libanês Ahmed Najar. Pois, segundo a legislação da época, o comerciante não era obrigado a fornecer nota fiscal em vendas abaixo de determinado valor.
Após uma discussão, os funcionários do Bazar teriam ajudado Najar a colocar Tavares para fora da loja, no meio da confusão, o tenente teve uma de suas pernas quebrada. Naquela época, a Praça Tiradentes era o principal terminal do transporte coletivo da cidade, com milhares de pessoas circulando por ali todos os dias. Ao presenciarem tal ocorrido, os transeuntes teriam se solidarizado com o policial e iniciado um conflito que resultaria em cerca de 120 lojas depredadas no centro de Curitiba. 

Figura 01:  No centro, o comerciante Ahmed Najar. 
Fonte: Jornal Gazeta do Povo

O ocorrido teria sido assim registrado pelo Jornal Gazeta do Povo na edição do dia 9:
“um desentendimento entre o proprietário do Bazar Centenário, situado à Praça Tiradentes e um freguês, por causa da nota fiscal da compra de um pente, ocasionou uma cena de pugilato em que intervieram empregados da loja, saindo ferido o comprador, com uma perna fraturada. Populares que se encontravam nas proximidades, revoltados com a agressão, passaram a depredar a loja. O número de manifestantes foi aumentando e outros estabelecimentos comerciais, principalmente os de propriedade de sírios e libaneses foram depredados. O quebra-quebra prosseguiu até as primeiras horas de hoje, registrando-se vários feridos e diversas prisões.”

A intervenção da Polícia e do Corpo de Bombeiros acabou exaltando ainda mais os ânimos da população. Com a intensificação da ação da policia, houve uma resposta mais violenta de parte dos populares. A destruição acabou se espalhando para outras ruas e praças do centro. No segundo dia do levante, muitos dos “desordeiros” haviam sido presos. Mas o movimento continuou em menor proporção. O exército assume o comando de controle do tumulto, que parecia fugir das mãos das policias Civil e Militar. Uma ação organizada de forte aparato bélico com pelotões de soldados armados de baionetas e metralhadoras esvaziou o centro da cidade.

No terceiro e último dia de protesto, o exército controlou a cidade.  Pontos de ônibus foram alterados de local e decretou-se toque de recolher às 20h. Outro fator que contribuiu para o enfraquecimento da revolta foi a morte do político Abilon de Souza Naves, forte candidato a suceder Moisés Lupion no governo do estado. A comoção popular frente ao ocorrido roubou a atenção da imprensa.

A Guerra do Pente, como ficou conhecido o episódio posteriormente, apresentou características de xenofobia, já que seus alvos foram comerciantes árabes e judeus, conhecidos pejorativamente como “turcos”. Tornou-se também reflexo da insatisfação popular frente aos cenários político e econômico da época. Uma crescente dívida externa e a elevada inflação foram resultado da política desenvolvimentista da gestão do então presidente Juscelino Kubitschek. Além disso, no Paraná, a administração do governador Lupion foi marcada pelas freqüentes denúncias de corrupção e grilagem de terras. 

Para saber mais

“Tudo por Causa de um Pente” -Jornal Gazeta do Povo - acessado em 12 de março de 2014 
http://www.gazetadopovo.com.br/vidaecidadania/conteudo.phtml?id=912731

"A Guerra do Pente - O Dia em que Curitiba Explodiu", 1986 - semidocumentário de Nivaldo Lopes.


REFERÊNCIA

BORGES, João Bosco. Expectativas, etnicidade e simbologia: o caso da “Guerra do Pente”. Monografia. Curitiba: UFPR, 2010.

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